Marcelo Escorel e Janaina Ávila em cena
Peça de Bosco Brasil traz um silêncio que dói e encanta
Ruy Jobim Neto, especial para o Aplauso Brasil
Em dezembro do ano passado, quando Janaina Ávila mandou um e-mail contando que tinha ganhado o Eletrobrás 2009, um projeto de 250 mil reais, não pôde haver festa melhor do que esperar pela montagem desse belo exemplar da dramaturgia de Bosco Brasil, autor do premiado Novas Diretrizes em Tempos de Paz. Trata-se da dolorida e encantadora Blitz, com direção precisa de Ivan Sugahara, tendo no elenco a batalhadora atriz e produtora Janaina Ávila e o “especialista” no teatro de Bosco, Marcelo Escorel.
A montagem é capitaneada por Janaina que, visando estrear o espetáculo, acumulou as gravações dos capítulos da já encerrada novela Tempos Modernos, no horário das 19h, onde ela interpretava a gótica-chique Milena Morgado, para então levar aos palcos do Laura Alvim, em Ipanema, a primeira temporada de Blitz. Agora é o Centro Cultural São Paulo quem recebe, até o dia 15 de agosto, esta tocante história de um casal que se espreme e se exprime através de seus medos mais profundos e de suas dores que desabam nos silêncios mais aterradores de suas almas.
Munido de uma iluminação detalhista e primorosa (de Renato Machado) que valoriza o belo cenário (por Natália Lana) cuja parede é ornada com rendas e tricô, além de uma mesa e duas cadeiras, a peça delineia a torrente de solidão de Helô do Pãozinho (Janaina) e as culpas do Cabo Rosinha (Marcelo), um policial militar acusado da morte acidental de um garoto de 12 anos em um colégio público durante uma blitz, coincidindo na hora do recreio dos alunos.
Uma coisa apenas é passível de ser dita para não quebrar a expectativa da platéia e deixá-la com água na boca para assistir: Helô está de mala pronta, não sabemos o que ela colocou na mala. Silêncio. Há uma espera no ar, muito tensa. Silêncio. Uma sopa é colocada, dois pratos, colheres. O marido chega, fardado e armado, e mesmo assim, algo precisa ser dito. Silêncio. Helô desconfia do envolvimento de Rosinha no ocorrido e tem algo a zelar. Silêncio. Ela está pronta para se separar de Rosinha e deixar a casa. Mais adiante, é o casal que abre outras feridas. Uma a uma, entre silêncios amargos, entre refletores elipsoidais que cristalizam pensamentos e a música das emoções mais entranhadas desse casal. Silêncio.
O belo e delicado texto de Bosco Brasil chega a São Paulo ao mesmo tempo em que se banalizam de forma torrencial, como sempre, e também a coincidente ocorrência da morte do menino Wesley, num colégio carioca, por uma bala no peito vinda de armamento pesado, possivelmente de origem policial. Blitz”torna-se, assim, absurdamente contemporânea. Estamos vivendo a peça no palco e na vida real. Ou a realidade transmuta no palco.
Por outro lado, a paixão dos dois personagens está filtrada pela visão dos outros, da sociedade que os cerca no bairro, do diz-que-me-diz, do que fala a Imprensa e de como a paróquia local absorve toda a história de Rosinha e Helô. O autor nos reserva uma carta na manga, percorre seus personagens pelo misto de medo – um medo avassalador – com uma entrega humana muito contundente. E que felicidade é essa magia do palco para que nós, a plateia, possamos ser as testemunhas dessa humanidade, desses buracos que não fecham, dessas equações doídas cuja lupa está ampliada pelo grande elenco de dois.
Marcelo compõe seu Cabo Rosinha com a experiência de quem já montou outros dois textos de Bosco Brasil (O Acidente e Cheiro de Chuva), e dá ao personagem a exata proporção desse ser humano, numa composição cênica que ele aplaude e diz que, para ele, não é uma tarefa fácil representar a encenação que Sugahara imprimiu. Coisa de filigrana.
Janaina Ávila, que vem do CPT de Antunes Filho, faz aqui a sua homenagem ao melhor do estilo Pret-a-Porter, interpretando Helô do Pãozinho com minúcia, com estratos e camadas que nos fazem viajar pela dor de sua personagem.
Prestem atenção no cenário e como ele brinca docemente com a luz, e vice-versa. Há momentos em que se sublinha de forma apropriada, e com tonalidades fortes, o que sente o casal da peça. É na beleza dos cortes elipsoidais de luz que a peça ganha poder e força junto ao texto, como num filme, a força de recortar o que Rosinha e Helô querem dizer, mas apenas sentem. Sorte de nós, a plateia, que somos as únicas testemunhas dessas tristes criaturas. Do desenho simples do que está em cena, retira-se o néctar da dor e das belas interpretações.
Ponto para o elenco, para a música imperceptível (de propósito) de Ronaldo Alvarenga, a encenação tocante e milimétrica de Sugahara e, claro, o belo conflito deste generoso e humano dramaturgo que é Bosco Brasil, uma dor que aponta para algum desfecho no fio da emoção. Fica por conta de a plateia saborear. Que bom.
FICHA TÉCNICA:
Texto: Bosco Brasil
Direção: Ivan Sugahara
Elenco: Janaína Ávila e Marcello Escorel
Iluminação: Renato Machado
Trilha Original: Rebello Alvarenga
Figurino: Patricia Muniz
Cenário: Natália Lana
Adaptação de cenários para viagens: Juliana Fernandes
Visagismo: Marcello Labela
Artista Plástica e Programadora Visual: Juliana Moraes
Cenotécnico: André Salles
Modelista: Lúcia Lima
Músico Intérprete da Trilha: Camila Brioli
Assistente de Direção: Letícia Isnard
Assistente de Produção: Raphael Freire
Assistente de Cenografia: Marieta Spada
Assistente de Figurino: Eve Rodrigues
Assistente técnico de Trilha Sonora: Ricardo Gonçalves
Fotógrafo: Dalton Valério
Blitz
Autor: Bosco Brasil
Direção: Ivan Sugahara
Elenco: Janaína Ávila e Marcello Escorel
Centro Cultural São Paulo – Sala Paulo Emilio – R. Vergueiro, 1000
Estréia: 17 de julho de 2010 (para convidados)
Temporada: de sexta a sábado, 21h, domingo, 20h – Até 15 de agosto
Preço: R$ 20 (inteira) R$ 10 (meia)
Classificação etária: 12 anos
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