"Sombras" , dir.: Ricardo Pais
Montagens em cartaz põem identidade
nacional portuguesa no divã
LUCAS NEVES
ENVIADO ESPECIAL AO PORTO (PORTUGAL)
Ir ao teatro em Portugal é cada vez mais parecido a se instalar num divã para uma sessão de análise. A avaliação é de diretores, críticos e produtores do país, que apontam o tema da identidade nacional como fantasma a espreitar a cena lusa atual.
Em Lisboa, o recém-estreado "1974", do Teatro Meridional, revê a história local no século 20, com escalas na ditadura de 48 anos, nas promessas de liberdade e reinvenção da Revolução dos Cravos (1974) e no acidentado processo de adesão à Comunidade Europeia (1986).
"Sombras", do Teatro Nacional São João, que iniciou temporada no Porto na última quinta e chega ao Brasil em junho, volta ainda mais na história para tentar montar a equação-síntese do "jeito de ser" português.
As variáveis incluem a conhecida melancolia fatalista, a animosidade com a vizinha Espanha (resquício dos tempos da expansão marítima) e o espectro de D. Sebastião 1º, desaparecido em batalha, mas sempre aguardado para reconduzir o país à glória.
Num cenário que reproduz um cais, alternam-se os amores doídos e saudosos dos fados e textos das tragédias "Castro", de António Ferreira, e "Frei Luís de Sousa", de Almeida Garrett, além de excertos de Fernando Pessoa, Pedro Homem de Mello e Jacinto Lucas Pires. Em projeções de vídeo, figuras fantasmáticas tecem diálogos mudos (e efêmeros) com quem deita lamentos no porto.
PERDERAM O COMBOIO
Vez por outra, o pesar é cortado pelo bailado efusivo do fandango. A montagem, não custa lembrar, tem por subtítulo "A Nossa Tristeza É uma Imensa Alegria". Nota de alento para um Portugal alquebrado, que ainda sente os ecos da crise econômica.
"Estamos sempre a perder o comboio [trem] por pouca coisa. Há uma tendência ao deslize para um limbo que não é nosso melhor", diz o diretor do espetáculo, Ricardo Pais. "Mas não somos um país autocomplacente com a sua melancolia, que se compraz com isso. A cavalgada eufórica [fandango] vem explorar o potencial de catarse pela celebração."
Para o dramaturgo e crítico de teatro do jornal "Público", Jorge Louraço, a onda de "análise coletiva" nos palcos portugueses espelha o paradoxo de um país "desapossado, considerado um dos mais atrasados da Europa, mas que é cheio de história e busca aí uma compensação".
Ainda no que se refere a tendências, ele aponta no circuito lisboeta uma tendência a jogos de linguagem. Já no Porto, o traço distintivo seria uma inclinação a retratar os nós da sociedade portuguesa. Multiplicam-se os divãs.
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