quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Antes da Coisa Toda Começar estreia no CCBB - SP (São Paulo, SP)


Peça mostra estragos feitos pelo desejo


LUCAS NEVES

DE SÃO PAULO

"O caminho reto é como uma ideia fixa. E tudo o que existe é atalho, desvio, descaminho." A fala do espectro em "Antes da Coisa Toda Começar", peça que estreou no CCBB, cumpre dupla função: resume a curva dramática dos personagens ao mesmo tempo em que se propõe a apaziguar seus tormentos.

Téo, o ator que amarga fracassos em série, Léa, a cantora divorciada da própria voz, e Zoé, aquela que "não quer ter medo de mudar essa canalhice de todo adulto que cospe nos próprios sonhos depois que cresce", são levados a um teatro abandonado por uma tempestade urdida pelo tal fantasma --ele mesmo o resíduo incorpóreo do que já foi um grande ator.

Cansado de monologar no palco, o espectro atrai coadjuvantes com aflições que lhe são familiares. Preenche o vazio da cena revendo suas dores, agora emprestadas à vida alheia. Não deixa de ser um ardil para renascer.

A nova montagem da Armazém Cia. surgiu de uma abstração: a sensação de potência, imortalidade diante do desconhecido, do caminho a ser percorrido --seja um fio estendido entre dois prédios, como no documentário "O Equilibrista" (que ajudou a desenhar a ideia-chave da peça), seja um processo de criação artística.

O eixo foi mais tarde redirecionado para a perda desse ímpeto, quando os pés se esborracham no chão e só resta contemplar o fracasso.

"Tentamos reconstruir esse ser em pedaços, não por suas memórias exatas, mas pelas sensações que constroem uma vida", diz Paulo de Moraes, diretor da montagem e coautor do texto, com Maurício Arruda Mendonça.

No roteiro que conhece de cor, o fantasma espia personagens que não se entendem com o desejo --"e com a frustração deste, ainda mais dilacerante", como frisa Moraes.

Téo não quer a segurança dos musicais nem o despojamento dos monólogos. Não tem lugar, pois. A seu desencanto se opõe a hipervoltagem de Zoé, que jura ser o doppelgänger (cópia exata, física e espiritualmente) do irmão e não aceita se dobrar às convenções sociais que regem o amor. A completar o quadro Léa: sem a voz, parceira de ribalta, entrega-se a impulsos autodestrutivos.

A trilha que embala o trio alquebrado é executada em cena pelo elenco e casa Beatles, Lou Reed, Diana Ross e sonetos shakespearianos musicados. São abrigos no sem-fim de atalhos e desvios a que estamos fadados.

ANTES DA COISA TODA COMEÇAR

QUANDO  qua. a sáb., às 19h30, e dom., às 18h; até 3/4

ONDE CCBB (r. Álvares Penteado, 112, Centro, tel. 0/xx/11 3113-3651)

QUANTO R$ 15

CLASSIFICAÇÃO 16 anos

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