O belíssimo espetáculo “A Casa” (texto e direção: Rudifran Pompeu, Prêmio APCA 2006 de Melhor Texto) conta a história de um homem que volta à casa em que passou a infância e juventude, revivendo memórias e causos. Inspirado no universo de Guimarães Rosa. No Casarão da Escola Paulista de Restauro – R. Major Diogo, 91 (Bela Vista), quintas-feiras, 21h (até 15/dez). R$ 30 (meia R$ 15). Cotação: ótimo.
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Restauro de lembranças sertanejas no centro de São Paulo
Foto: Divulgação
O que você faria se emprestassem uma casa linda, enorme, antigaça e rodeada por prédios modernos pro seu grupo de teatro? Foi mais ou menos o que rolou com o Redimunho, que deu a sorte de encontrar a porta da esperança abertinha na Major Diogo, num casarão de 1911, que está sob a tutela da Escola Paulista de Restauro. Quando o Divino enviou de presente aquele palco em formato de mansão, o processo de A Casa já durava dois anos. No entanto, a impressão que dá é que tudo foi concebido ali, de tanto que eles se adaptaram ao espaço. Aliás, o ambiente é quase tão essencial na montagem quanto o próprio elenco. Ok, exagero meu, mas que aquele lugar é foda, isso é.Quem nos recebe é um tipo esquisito, meio assustador, numa sala toda decorada a la Guimarães Rosa, autor que inspirou a obra. O processo começou na união de um monte de atores, da qual despontou a mão-guia de Rudifran Pompeu, que acabou assumindo a coisa toda, escrevendo e dirigindo a montagem itinerante. Um gravador nos avisa pra “pelamordedeus” não estragar o casarão. Eles não dizem isso desse jeito, mas o que querem dizer é: “nada de pé na parede, nem de levar uma das muitas casquinhas da pintura como lembrança, ok?!”.
Enfim, chega o Messias, nosso guia, e nos leva a outros cômodos. Então já vemos o que considero o mais bonito da peça. Passamos rapidamente por diversas portas no caminho, e a cada uma delas vemos uma imagem forte e representativa de seres humanos muito diversos em situações que, apesar de cotidianas, os definem bem. É uma passagem rápida, mas que nos dá todo o contexto, tornando-se tão importante quanto os diálogos das cenas maiores, ou até mais importante do que eles. Conhecemos as perdas, velórios, partidas, tristezas. Conhecemos a vida tranqüila de pescaria, bolo e café de bule. O primeiro amor de um muleque e a renovação do amor de um casal, que caíra na rotina sertaneja. Passamos pela prima gostosa tomando banho, pelas putas, pelos partos, pela cozinha cheirosa. Lendas também são parte indispensável, afinal o que seria da nossa identidade nacional sem um folclore tão rico?
Devo confessar aqui que adoro textos. Montagens textocêntricas que são chatas para os outros, muitas vezes me deliciam. Neste caso, no entanto, me rendo: o texto é o de menos. É bonito, sutil, apropriado, mas é o de menos, porque a palavra que briga com vapor-de-água-quente-de-chuveiro + imagens + sons + cheiros + sabores… perde.
A história é muito bem amarrada e a sutileza da “passagem”/ “travessia” de Messias – que dá todo o sentido e unidade da obra – cria uma das cenas mais simples e emocionantes que já vi. Tudo isso apesar de o Messias ser o que podemos chamar de “manual explicativo da casa”. Ele é simpático, mas poderia tanto falar tão menos! Sabe quando dá aquela vontade de dizer: “xiuuu… a gente já entendeu!”?
Para me conter e não contar o final, só revelo que tem comida boa e passo a discutir, finalizando, duas questões que me chamam a atenção. A primeira, que já comentei aqui – na resenha de Ariano -, diz respeito aos atores “multifuncionais”. Em A Casa já comecei a sentir falta de músicos ao vivo, que depois atuassem, dessem cambalhota, lavassem, passassem roupa, cobrassem o ingresso… Falando mais sério, parece mesmo que começo a me acostumar com atores que tocam as trilhas, como um recurso que acrescenta vida à linguagem das encenações. Os atores desta vez “só” atuaram mesmo.
A outra questão é que A Casa foi, se não me engano, a terceira peça sobre o sertão nordestino que vejo em duas semanas (as outras foram Ariano e A Hora e a Vez de Augusto Matraga). Emblemático, não? Fico procurando o sentido disso e acho que, por incrível que pareça, ainda estamos todos buscando uma identidade nacional (como fizeram criteriosamente tantos estudiosos como Darci Ribeiro, Sério Buarque, Caio Prado etc) e é bem difícil encontrá-la nos grandes centros que ficam tentando copiar mais direitinho possível as metrópoles internacionais (sem sucesso, claro!). É uma espécie de chacoalhão sacar que, talvez, o que haja de mais especial e único no Brasil esteja tão longe daqui – São Paulo – onde costumamos acreditar piamente ser o centro do país. Que país?
4 andares de palco
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