Ubiratan Brasil, de O Estado de S.Paulo
Em 2002, Marco Nanini e Felipe Hirsch apresentaram o cáustico diálogo do dramaturgo americano Nicky Silver à plateia brasileira. Para alguns, foi demais - engravatados acompanhados de madames de tecido fino puxavam a fila em direção à saída do teatro no intervalo, indignados com a perturbadora família apresentada em Os Solitários, seleção de textos de Silver que se destacavam pelo humor negro.
"Quase dez anos se passaram e as palavras de Silver se tornaram ainda mais atuais", comenta o diretor Hirsch, que volta a se encontrar com o grande ator para encenar um daqueles textos, Pterodátilos, que estreia sexta-feira, no Teatro Faap. "Com o crescimento econômico, o Brasil tornou-se um país ainda mais consumista e justamente essa atitude é criticada pela peça."
De fato, escrita em 1993, Pterodátilos apoiava-se em um assunto ainda em questão (a contaminação pelo vírus da aids), mas trazia como fio condutor a crítica ao consumismo desenfreado, o que leva uma família à extinção. E, comemorando seus 45 anos de carreira, Nanini brilha no palco em dois papeis: Artur Duncan, o pai banqueiro que não consegue chamar o filho pelo nome verdadeiro, e Emma, a filha de 15 anos, jovem desencontrada que está prestes a se casar. "É o retrato cruel mas também fiel da nossa sociedade", afirma.
Leia abaixo entrevista com Marco Nanini e Felipe Hirsch
A trama de Pterodátilos surpreende ao mostrar como uma família rica e disfuncional ruma à extinção: Artur (Marco Nanini) é presidente de um banco e chefe de uma família disfuncional, formada por Grace (Mariana Lima), a mãe alcoólatra, mulher opaca e apenas preocupada em consumir; Todd (Álamo Facó), o filho mais velho que volta à casa paterna depois de ter contraído o vírus da aids; e Ema (novamente Nanini), a filha desnorteada, que se julga grávida e cujo namorado, Tom (Felipe Abib), além de transformado em empregada da casa, logo se apaixona por Todd. "Nicky Silver toca na ferida, mas provoca gargalhadas", observa o diretor Felipe Hirsch.
Antenado com as novidades da moderna dramaturgia mundial, Hirsch encantou-se justamente com o humor perturbador de Silver, cujo texto foi apresentado pelo jornal The New York Times como uma "absurdidade clássica". "Em alguns momentos, as palavras parecem que são ditas mais com a intenção de ocultar do que revelar algo", comenta. "Nossa primeira montagem, a de 2002, trazia um tom épico, que não ressaltava um aspecto que hoje domina cidades como o Rio e São Paulo: o consumismo."
Basta acompanhar os passos de Grace, a mãe interpretada com precisão por Mariana Lima - além de se preocupar apenas com vestidos e bolsas, ela se afunda de tal maneira na obsessão que acaba praticamente embalada como um presente, tornando-se praticamente um objeto.
Foi justamente esse detalhe que norteou a concepção cênica de Hirsch. Inspirou, aliás, também a cenografia de Daniela Thomas, que novamente acrescentou uma função essencial ao cenário: ela criou um palco móvel, que inclina para os lados à medida que a crise familiar se agrava. "Quando a Daniela teve a ideia, Felipe ficou na dúvida se seria possível", relembra Nanini. Incentivada pelo produtor Fernando Libonati (sócio de Nanini na empresa Pequena Central), que comprou a ideia, Daniela, inspirada pelos brinquedos que simulam voos espaciais, montou um tablado de 85 centímetros de altura que é movimentado por macacos hidráulicos.
A tecnologia é semelhante à usada nos carros alegóricos de escolas de samba. "Conheci um senhor chamado Batista, que adaptou o que faz nos desfiles para o palco", conta Daniela, que sempre desejou montar um cenário com base móvel, que se alterasse de acordo com o momento da peça.
Entusiasmado com o trabalho, Felipe Hirsch decidiu avançar no conceito do espetáculo e determinou que, além de se movimentar, o tablado seria desmontado. Assim, enquanto a desintegração familiar é revelada, Todd, o filho que retorna por motivo de doença, descobre estranhos sinais sob o piso da casa. Ele começa a remover as tábuas e a terra por debaixo delas até encontrar a ossada de um pterodátilo. Tal escavação provoca desnivelamento do solo, obrigando os atores a se equilibrarem e também a pularem os buracos provocados por Todd.
"Ganhei, assim como o elenco, um novo desafio, que era contornar os buracos que vão surgindo como se fossem naturais", conta Nanini, que ainda brinca. "Calçando 44, meu pé fica fora de escala."
O ator termina cada apresentação feliz, mas exausto. Afinal, retoma uma prática que não executava desde quando encenou o megassucesso O Mistério de Irma Vap, em que era obrigado a mudar rapidamente de roupa e de personagem. Se em Pterodátilos a sucessão de trocas não é tamanha, a exigência intelectual é maior. "Emma é muito tensa, raciocina freneticamente, enquanto Artur é monolítico, mais conciso", conta ele. "Os obstáculos me deixam mais concentrado, mas, como a peça se parece com um avião a jato, termino esgotado."
PTERODÁTILOS
Teatro Faap. Rua Alagoas. 903, telefone 3662-7233.
6ª, 21h30; sáb., 21 h; dom., 18 h.
De R$ 60 a R$ 80. Até 29/5
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