quarta-feira, 12 de maio de 2010
Stand Up Drama, no Carlos Carvalho (Porto Alegre, RS)
Stand Up Drama
Histórias reais que desafiam a nossa visão de mundo
14 de maio a 06 de junho, 2010 - Sexta, sábado e domingo, 20 horas
Teatro Carlos Carvalho - Casa de Cultura Mario Quintana (Andradas, - segundo andar) capacidade: 100 Lugares
Com Áurea Baptista, Clóvis Massa, Léo Ferlauto, Patsy Cecato e Samuel Reginatto.
Direção de Bob Bahlis - Contatos: 51. 92 16 94 39 / 9218 60 68
Ingresso no local a partir das 18:30 em dia de espetáculo: R$ 20 Reais - 50% de desconto para clube do assinante ZH / 50% para Estudantes e terceira idade
A novidade nesta temporada é a entrada do jovem ator Samuel Reginatto, 17 anos, contando mais duas novas histórias, no elenco do espetáculo.
Samuel Reginatto, que pode ser visto no cinema (filme do diretor Esmir Filho) e logo estará em cartaz também, no novo filme da gaúcha Ana Luíza Azevedo.
Cinco atores relatando dez histórias que emocionam e impressionam. São relatos diretos e muito simples, todas bem diferentes, mas impactantes.
São executados nos moldes do stand up comedy, ou seja, um ator de cada vez, que se apresenta em pé, sem acessórios, cenários, caracterização.
São depoimentos, testemunhos pessoais, existenciais.
Uma ervilha pode adquirir, de repente, uma importância que determina a vida de uma pessoa.
Um tapa no rosto pode acabar com a confiança de uma criança pelo seu pai.
Não faltam distúrbios, problemas familiares, ou provas de amor e carinho infinito, ou racismo desenfreado.
Histórias que desafiam nossas visões de mundo, casos que revelam as forças misteriosas que atuam em nossas vidas, mentes e corpos, em nossas almas.
O diretor Bob Bahlis resolveu neste primeiro momento, adaptar sete histórias contidas no livro de Paul Auster, "Achei que Deus fosse meu pai", e uma inspirada num lindo conto do uruguaio Mario Benedetti.
Algumas opiniões:
CRÍTICA HOHLFELDT- STAND UP DRAMA
Antônio Hohlfeldt /JORNAL DO COMÉRCIO/ 16 de abril de 2010
O drama em sua correta dimensão humana
A nova prática da chamada stand up comedy transmutou-se em stand up drama. Trata-se de um espetáculo em que todos os intérpretes permanecem de pé. De certo modo, é uma leitura dramática ampliada, ou se o leitor preferir, a narrativa de uma história nos moldes daqueles narradores valorizados por Walter Benjamin em O narrador, com a diferença de que, embora pareça, não existe qualquer improvisação. Pelo contrário, tudo está extremadamente ensaiado, e aliás, só funciona porque está bem ensaiado e tudo sai a contento.
O espetáculo apresentado na Sala Álvaro Moreyra, do Centro Municipal de Cultura, traz a assinatura do conhecido diretor Bob Bahlis. No elenco, Áurea Baptista, Clóvis Massa, Léo Ferlauto e Patsy Cecato. Os intér pretes mais conhecidos se tornam desconhecidos, porque se vestem com a pele das personagens que assumem, já que todos os textos estão colocados na primeira pessoa do singular, e isso ajuda a dar verossimilhança e emotividade às narrativas.
Cada intérprete personifica duas narrativas, alternadamente, sem que nenhuma tenha nada a ver com a outra, a não ser o fato de que sete delas foram retiradas do livro do contos do norte-americano Paul Auster Achei que meu pai fosse Deus e uma oitava foi buscada no livro La muerte y otras sorpresas, do uruguaio Mario Benedetti, recentemente falecido.
Ao que parece, todos os textos são absolutamente apropriados enquanto texto dramático. A única diferença que observei é quanto ao conto de Benedetti que no original é narrado por um homem, enquanto no espetáculo, o fato de ser dito por uma mulher induz o espectador a imaginar um outro tipo de relacionamento.
Contenção, quebra de emocionalidade - b usca de racionalidade e de visualização por parte do espectador - eis alguns princípios que me parece terem marcado a linha de direção de Bahlis. Ele não quer fazer melodrama. Os textos já são suficientemente fortes para impactarem o espectador. Não há, pois, por que apelar ao espetáculo lacrimejante. Daí a contenção constante, a marcação cuidada de cada texto, em que o respirar do ator é fundamental. É como se o narrador, à maneira de Benjamin, pretenda que o ouvinte imagine e visualize o que está sendo narrado. Pausas, um certo ritmo de indecisão, como se o narrador titubeasse em revelar todo o teor de sua história, eis outras marcas significativas de um trabalho que emociona pela verossimilhança que passa: é como se, de fato, o que estivéssemos a ouvir houvera ocorrido com cada um daqueles personagens (e não intérpretes), de quem fôssemos relativamente próximos e que, por isso mesmo, nos tocasse mais intimamente.
Não se pode dizer que um texto é mais emocionante ou tocante que o outro. O que encontramos aqui é um conjunto de relatos que, ao mesmo tempo em que revela o lado avesso da humanidade, justamente por isso também a apresenta sob certa perspectiva de compreensão e de aceitação, como se o narrador de cada história tivesse a nos dizer: Veja, é terrível, sim, mas foi assim que aconteceu... e é assim que acontece, quase sempre. É próprio do ser humano.
O palco vazio, a entrada/saída de cada ator/atriz, o ritmo lento mas não derramado, o foco de luz que esmaece ou se intensifica conforme a dramaticidade do relato, tudo isso nos rouba à realidade imediata das apertadas e incômodas cadeiras da Sala Álvaro Moreyra e nos transporta para uma espécie de espaço virtual - somos voyeurs simpáticos do que se está a narrar. Acompanhamos com sensibilidade e simpatia o que nos vai sendo revelado.
Bob Bahlis faz aqui um de seus melhores teatros. Não sei se merece o no me específico de teatro, mas certamente é um espetáculo de artes cênicas e, sobretudo, é um belíssimo trabalho de inteligência e de compreensão de um texto literário, que recebe vida da boca de cada um daqueles intérpretes que estão ali como que ao vivo, trazendo seus depoimentos aos espectadores que os acompanham com o coração nas mãos. Inesquecível.
Crítica do Jornal Zero hora - FÁBIO PRIKLADNICKI - STAND UP DRAMA!
Stand Up Drama: paródia às avessas
De certo modo, a comédia stand up cumpre, nos Estados Unidos, uma função semelhante à da crônica de tom humorístico no Brasil: faz uma crítica dos costumes, lançando um olhar de estranhamento a temas familiares. Transportada para o país, a stand up pegou a crônica desprevenida: é mais rápida, pode ser transmitida pelo YouTube, contada na mesa de bar. E virou uma febre nos últimos anos.
O espetáculo Stand Up Drama, que estreou no Porto Verão Alegre e agora cumpre temporada na Sala Álvaro Moreyra (veja detalhes no Guia hagah), propõe inverter a lógica do gênero. Em vez de tiradas cômicas, o que se vê é uma sucessão de casos que carregam algo de patético, naquela acepção da palavra que remete a algo sentimental. A chave de ouro, a frase de efeito que encerra cada história não provoca gargalhadas, mas um choque de realidade.
Sob direção de Bob Bahlis, quatro atores (Clóvis Massa, Patsy Cecato, Leo Ferlauto e Áurea Baptista) se revezam no microfone em oito narrações. Os textos foram retirados, muito apropriadamente, do livro Achei que Meu Pai Fosse Deus, organizado pelo escritor Paul Auster, com histórias reais recebidas de ouvintes da rádio norte-americana NPR. Apenas um dos episódios da peça vem de outra fonte, um conto de Mario Benedetti. São lembranças de situações variadas de infância - um rapaz que não gosta de ervilhas, uma menina que costuma perder suas coisas - e outras de maturidade - uma mulher que pressente a morte das pessoas, duas amigas supostamente feias que se envolvem e por aí vai.
Assim como nas comédias stand up, os atores do espetáculo têm à frente apenas um microfone. Todos vestem preto, como que para atenuar o peso de suas presenças. E, de fato, o texto se sobressai - é o grande destaque. A escolha das narrativas é sensível, e o timing dos trechos, preciso.
A peça é uma paródia às avessas das comédias stand up, mas não apenas isso. Pense, por exemplo, em Lenny Bruce, um dos maiores representantes do gênero, que às vezes era mais mordaz do que verdadeiramente engraçado (e isso fazia parte de sua originalidade). Ou considere a transposição para o teatro do romance A Casa dos Budas Ditosos (que esteve em cartaz em Porto Alegre em 2004 e voltou em 2006), de João Ubaldo Ribeiro, na qual Fernanda Torres, interpretando uma idosa que relembra seus tempos de libertinagem, tem um papel similar: narrar uma história com pouquíssimos recursos cênicos (e resultado excepcional). Já em Stand Up Drama os atores ficam em um meio-termo entre incorporar os personagens-narradores ou recorrer ao distanciamento dos contadores de história. É uma equação complexa de se resolver, mas fundamental para o conceito da peça. Aqui, os textos parecem à procura de suas vozes.
O cenário é mínimo, e por isso eficaz; a iluminação é enxuta, o que conta a favor; a trilha sonora é apropriada, interferindo apenas nos intervalos; e o figurino, embora previsível, cumpre a função de deixar o texto com o papel de protagonista. Quem disse que é fácil fazer o público chorar?
CRÍTICA RENATO MENDONÇA
http://relatomendonca.wordpress.com/
Talvez funcione assim com a maioria dos criadores, mas no caso de Bob Bahlis o mecanismo fica bem evidente: a cada montagem, ele se afasta ou até se opõe à anterior seja em termos de temática. encenação ou mesmo no tom que move a cena. No início de 2008, Homens honrava seu nome e mostrava com quantos paus (oops) se faz um bom machismo, valendo-se do formato de comédia rasgada e assumida. No final daquele mesmo ano, Bahlis estreava Dez (Quase) Amores. O eixo da ação, desta vez, não era um homem, mas uma mulher; entretanto o sexo (ou a busca de) seguia sendo o motor da trama, lubrificado pelo humor do texto de Claudia Tajes. Como se fossem siameses com o mesmo coração, alternando o viés entre as duas principais trincheiras da guerra dos sexos, Homens e Dez (Quase) Amores expunham o que se poderia chamar de capitalismo espoliativo amoroso, em que a acumulação de bens (ou de meus benzinhos) é a motivação essencial.
Stand Up Drama, que estreou no Porto Verão Alegre, vai na contramão do capitalismo espoliativo amoroso bem-sucedido - o assunto, agora, são as perdas, sejam ela de pessoas, de inocência, de crenças. O risco da empreitada é grande: um passinho em falso (ou verdadeiro demais) e se despenca no dramalhão. Bahlis não se intimidou: para lidar com tantas perdas, propôs a absoluta perda dos freios emocionais - no palco e na plateia.
O ponto de partida é a estrutura tradicional das stand up comedies, em que o ator interage com o público sem usar caracterização, sem o apoio de um cenário, sem vestir um personagem - conta apenas com a muleta do microfone. Stand Up Drama parte desse formato, mas os atores não entram em cena com um jeitão gaiato ou provocador, convencidos de que a metralhadora giratória da irreverência, o raciocínio rápido e a piada ligeira serão um santo remédio para desconstruir a coleção de humilhações e frustrações à espreita fora do teatro e dentro de cada um. Cada ator entra em cena como se tivesse uma arma carregada com apenas uma bala - que deve acertar direto no coração do espectador.
Bahlis foi cuidadoso com a munição: sete das oito histórias de Stand Up Drama são adaptadas do livro Achei que meu Pai Fosse Deus, uma coletânea de centenas de depoimentos reais e comoventes organizada por Paul Auster. A outra história é inspirada em conto do uruguaio Mario Benedetti. Mas o atirador é tão importante quanto, e a escolha de Bahlis, acertada, recaiu sobre Léo Ferlauto, Margarida Leoni Peixoto, Clóvis Massa e Patsy Cecato.
Cada um dos atores responde por dois textos. Eles vão se sucedendo em cena, em um palco praticamente nu, amparado unicamente por um microfone e pela excepcional luz de Carol Zimmer e Marga Ferreira. Os dramas se sucedem: um tapa no rosto dado pela mãe, uma demonstração de racismo que passou sem resposta, as lágrimas que tiveram de ser escondidas de quem mais se ama, a aceitação do corpo e das opções do corpo. Resumindo: são histórias de crianças ansiosas para se tornarem adultas, na esperança de que isso as fará entender a vida de uma vez; e histórias de adultos loucos para voltarem a ser crianças, na ilusão de que isso as fará sentir a vida outra vez.
Atuar em um espetáculo desse tipo é um desafio e tanto. Sem o recurso de movimentos ou adereços, tendo o rosto e os movimentos de cabeça como principais e praticamente únicos focos de atenção, é necessária uma atuação no limite entre o detalhe e o excesso.
Margarida e Patsy se destacam, acertando o tom sempre. Geralmente associadas a papéis cômicos, elas se arriscam com sucesso pelo drama extremo, dosando o recurso das lágrimas, controlando suas emoções pessoais na ponta dos dedos. Os homens precisariam acertar a intensidade de suas atuações: Massa deveria colorir mais sua interpretação, apimentá-la com agressividade e alguma dureza, enquanto a Ferlauto caberia enxugar sua performance, aliviar um pouco sua máscara - suas feições fortes acabam se impondo sobre o tom de sua atuação.
Em um espetáculo em que reina absoluta a palavra, percebe-se claramente como a tradução é fundamental: não basta lograr o sentido e o efeito pretendidos pelo autor original, a musicalidade e o ritmo são valores a serem buscados também. Esse equilíbrio perfeito é obtido apenas em alguns textos do livro organizado por Auster e, especialmente, no conto de Benedetti. E isso faz toda a diferença, já que a rendição do público às emoções extremadas que estão em cena pode ser abalada por uma frase quadrada, ou um sentido dúbio.
Esse ruído, entretanto, não causa um efeito tão dramático assim em Stand Up Drama. O que se vê, ou melhor, o que se sente, é uma sucessão de jorros emocionais que repercutem muitas vezes em lágrimas. Bahlis tem o mérito de facilitar a comunhão entre história-ator-espectador, limitando seu papel de encenador à tarefa de arrancar de cada história (e cada ator) o que lhe é peculiar e transcendente. Este pudor em interferir no eseptáculo acaba cobrando seu preço. O desenho dramatúrgico é simples: oito cenas estruturalmente semelhantes, que começam apresentando os personagens de cada história, depois expõem uma situação geralmente trivial, seguida pela inevitável complicação, ultimadas por uma conclusão comovente, amarrada por uma frase final de impacto. Nada mal, apesar de sempre se poder argumentar que é difícil para qualquer espectador ser exposto a histórias tão emocionantes praticamente sem trégua.
O contra-argumento é que o diretor talvez queira justamente crispar o emocional do público, conduzindo-o para um clímax. Mas o grand finale acaba não vindo, e o público sai da sala com as emoções revolvidas, com a memória desarrumada - mas sem desfrutar de uma cena de resolução do espetáculo, talvez não no sentido mais careta de amarrar as cenas e garantir organicidade à encenação, mas na intenção de sacralizar a urgência absoluta de passearmos pelo passado em busca de pistas sobre o futuro. Ou simplesmente para celebrar que ao longo de nove histórias - as do espetáculo e a de cada um dos espectadores - não se teve vergonha de chorar. Ou, principalmente para irmanar público, atores e texto na convicção de que a humanidade se realiza em nossa capacidade de sentir e de ser solidário.
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