quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Discussões sobre a Lei de Fomento Municipal ao Teatro SP (São Paulo, SP)


A Lei de Fomento ao Teatro em São Paulo


Publicado em 6 junho de 2008 por Miguel Vieira

Diversas pessoas ligadas ao teatro em São Paulo tem soltado o verbo contra as leis de incentivo fiscal, por entender que são dinheiro público gerido de forma privada.

A discussão passa pelo modelo alternativo de financiamento público que se construiu na cidade de São Paulo, a chamada “Lei de Fomento” — que, ao contrário dos mecanismos de renúncia fiscal, não entrega ao mercado (sem custo) as decisões sobre a política cultural.

Para entender melhor o que é essa Lei e como ela surgiu (em grande parte por conta da atuação do movimento Arte Contra a Barbárie), veja abaixo uma entrevista realizada com Luiz Carlos Moreira, importante autor e diretor teatral.

Luiz Carlos Moreira

São Paulo, 2004

Este texto, na verdade, vai se organizar em função da fala. É uma gravação. Não é um texto, digamos, criado a partir da redação. Já que se dirige a uma discussão de construção do pensamento, eu vou tentar discutir o Programa Municipal de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo a partir deste ponto de vista. Do ponto de vista conceitual. Do ponto de vista que busca mostrar o que está por trás, em termos de pensamento, deste programa, ou pelo menos da construção deste programa enquanto intenção.

Vou tentar, também, dar conta de uma desnaturalização, uma tentativa de historicizar aquilo que é tido como natural, aquilo que é tido como óbvio, como uma coisa que é assim e ponto final. Eu vou tentar ver essas coisas em processo, buscando o que está por trás de tudo isso.

Então, a primeira coisa é que se trata do discurso da fala e não do texto. Segundo, eu vou tentar dar conta dessa desnaturalização e historicidade e, terceiro, eu tenho claro que não vou dar conta disso. Não é só uma questão de incapacidade pessoal, é que se trata de um saco sem fundo esta conversa.

Feitas estas ressalvas, o Arte Contra a Barbárie, quando surge, e até hoje, ele se caracteriza em cima de algumas questões. A primeira delas é a negação do mercado como solução de todos os nossos problemas, principalmente no campo da cultura. A mercantilização da cultura é a premissa básica que vai fundamentar o movimento no sentido da rejeição desta mercantilização. Segundo, o Arte Contra a Barbárie coloca, também, frente a esta mercantilização, a necessidade e a exigência de políticas públicas que não sejam meramente mercantilistas e coloca a questão da ética do exercício profissional e a questão da função social do trabalho artístico.

Então, função social, ética, políticas públicas e a luta contra o pensamento hegemônico que vê no mercado a salvação de todos os nossos males são as questões básicas que o Arte Contra a Barbárie coloca. A partir dessas referências eu vou tentar situar o Programa Municipal de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo.

Primeiro, a questão da mercantilização. Quando a gente fala sobre mercadoria cultural, normalmente as pessoas pensam sobre duas coisas: a comercialização do produto, que implica em mídia, implica na indústria cultural, portanto com alto capital de investimento, reprodução do objeto artístico e, a partir daí, a comercialização em massa e todas as questões inerentes a isso. Ou então se pensa, digamos, na questão estética, colocando o objeto artístico, no caso estamos falando de teatro, como um teatrão comercial, para usar uma expressão corrente. O que está disseminado é esse tipo de noção. De um lado a questão da comercialização com suas regras de mercado e de outro lado o espetáculo dito comercial.

Eu vou tentar colocar aqui uma outra questão que talvez seja o norte e o eixo principal do Programa de Fomento. Se existe uma coisa que define o conceito de mercadoria e que define essa questão de mercado, essa coisa está no âmbito das relações de trabalho e propriedade. A maneira como você organiza a produção. Hoje, para todo mundo é absolutamente natural – quando digo todo mundo, estou me referindo aos atores, que são a maioria da chamada “classe teatral” – é absolutamente natural para a esmagadora maioria dos atores e dos artistas a noção de que “sou profissional, logo preciso viver do meu trabalho”. Esta é a premissa que está posta. Eu tenho que viver do meu trabalho, sou profissional, portanto, quero ganhar. E, para isso, eu vou fazer o comercial, vou fazer a peça de teatro.

Existem hoje, por exemplo, atores que operam da seguinte forma: eles entram em um espetáculo adulto mas, ao mesmo tempo, procuram um espetáculo infantil porque um só não segura. Quando estréia um destes espetáculos, ele, imediatamente, procura uma nova produção antes que aquela saia de cartaz e se compromete com esta nova produção; o espetáculo com o qual ele estava envolvido, muitas vezes ele abandona no meio da temporada. Por que isso? Porque se ele esperar terminar a temporada para se encaixar em outro trabalho depois, ele vai ter um buraco no qual não conseguirá pagar seu aluguel. Ele abandona aquele projeto no meio da temporada e já começa um novo, sempre com essa preocupação de dois pés, um no infantil e outro no adulto. Então, ele não tem, na verdade, nenhum vínculo com nenhuma dessas montagens. O vínculo que ele tem é aquele primeiro, o profissional, pois a única coisa que ele tem para vender é sua força de trabalho. Logo, ele depende disso para sobreviver. Nessa medida, o trabalho passa a ser um meio para outras necessidades, comer, vestir e comprar os produtos hoje necessários para a vida moderna, pagar seu aluguel e etc… O trabalho em si não é tão importante.

É claro que ninguém vai se meter em uma canoa furada e abraçar um trabalho picareta, mas na maioria das vezes o que conta é: “Se o trabalho tem um mínimo de qualidade e, principalmente, me garantir o lado econômico, eu estou lá”. Dá pra entender que esse profissional tem, por exemplo, que saber dançar, cantar, fazer comédia, tragédia, drama, enfim, estar apto a vender suas habilidades técnicas no mercado de trabalho, pois se ele não possuir essa diversidade ele não sobrevive. Essa diversidade não se sustenta num interesse de diversificação cultural, qualidade cultural, artística ou estética.

Na verdade, há uma necessidade de sobrevivência econômica e o resto é discurso ideológico em cima disso. Tanto que essa diversidade implica em fazer uma produção no Teatro Abril, por exemplo, reproduzindo um pacote que vem da Broadway, e, amanhã, uma peça que prega a revolução comunista, puramente por necessidade de sobrevivência. Agora, se amanhã ele está na peça pregando a revolução comunista, nada impede que no dia seguinte ele esteja na televisão fazendo um comercial para o banco Itaú. Numa ponta mais radical, nada impede que amanhã, este mesmo profissional esteja envolvido com uma campanha política, na qual tanto faz se é para o Lula ou para o Maluf, dá no mesmo, pois ele é apenas um profissional no mercado.

Estou fazendo essas considerações para deixar claro que este profissional é realmente um profissional, ele deixa de ser um artista. Ele é apenas um cara que vai vender sua força de trabalho a quem puder comprar. E, como tal, pela própria rotatividade das produções, pela própria precariedade, ele acaba tendo um emprego de curta duração, acaba pulando de um galho a outro à procura de quem compre seu trabalho. Isso não implica um projeto estético, a construção de uma poética, no comprometimento com a arte, na sua função social ou mesmo em questões éticas pertinentes a essas questões.

Quando o Arte Contra a Barbárie lança o Programa Municipal de Fomento, nos primeiros panfletos colocava uma chamada que dizia mais ou menos o seguinte: “De um lado, a luta por um patrocínio, por um espetáculo, por um emprego aqui, por um comercial, por uma dublagem, por uma correria e amanhã se refaz esta mesma correria de pular como um macaco de galho em galho. De outro lado, a possibilidade de um trabalho contínuo, de estabilidade, de construção de poética, de linguagem, de inserção na sociedade” e por aí vai. O Programa Municipal de Fomento lançou esse tipo de panfleto para se divulgar, para ser discutido, mas até hoje isso não está claro pra ninguém.

O que eu quero dizer é o seguinte: essa relação em que eu vendo meu trabalho para comprar minha sobrevivência é o que define, na essência, a chamada mercadoria, que não é uma questão estética ou uma questão de marketing ou comercialização de produto. E uma questão de como a sociedade se organiza. E ela se organiza em função de uma quantidade populacional que não tem nada para vender que não seja seu trabalho e não interessa aqui se se trata de um ator, bancário ou metalúrgico, ele vai vender para quem quer comprar e pode comprar.

E aí você tem uma outra quantidade populacional bem menor que compra esse trabalho. Compra porque ela tem dinheiro para fazer essa compra e porque ela tem os meios de produção na mão. No caso do teatro, essa pequena fatia teria um teatro à sua disposição ou seria dona dos direitos autorais ou…, enfim, se responsabilizaria pêlos recursos que vão permitir a confecção daquela obra. Essa obra, produzida desta maneira, é mercadoria, seja um espetáculo, uma aula, um sapato.

Quando o Fomento vem e propõe uma outra organização do trabalho, ele está se contrapondo à organização hegemônica da produção teatral. Essa é a maneira como se organiza a produção teatral hoje, aqui, em São Paulo. Nós não vamos e nem estamos sonhando em destruir isso. Não se trata disso. Trata-se apenas de navegar contra a corrente e tentar construir uma outra maneira de organizar que não seja essa maneira mercadológica, do ponto de vista de relação de trabalho. Essa outra maneira a gente não está inventando, também. Ela também está presente na realidade.

A realidade não é uma coisa monolítica e única. Ela tem contradições, possui diferenças. Enfim, ela não se manifesta de uma única forma. Então, essa relação de trabalho que eu acabei de descrever, que é a relação hegemônica da produção teatral, ela tem como contrapartida uma outra forma de organizar a produção teatral. Essa outra forma se dá em grande parte exatamente porque a figura do empresário, que é aquele que possui o dinheiro, que detém os meios de produção e condições de comprar o meu trabalho enquanto artista profissional, essa classe social dita empresarial, ela não existe de forma estabelecida, estruturada, no teatro brasileiro. Então, hoje é um ator que é um empresário, amanhã é outro… São poucos, efetivamente, os produtores, a gente pode falar da CIE como a única grande produtora em São Paulo. Más , tirando isso, o que nós temos, de forma hegemônica, são pequenos produtores descapitalizados ou pequenos produtores travestidos de “grupo”, tudo sem recursos para ser o que deveriam ser.

Uma outra coisa. Provavelmente os faraós da época ou os turistas de hoje achavam e ainda acham as pirâmides do Egito uma maravilha. Eu não sei se os escravos que as construíram teriam esta mesma admiração em relação às pirâmides. Aí eu me lembro do Brecht. No “Galileu”, tem uma cena com um diálogo entre ele e um pequeno monge. Uma das coisas que o Galileu diz é que uma ostra, para construir uma pérola, passa por um processo em que ela é invadida por um organismo estranho e para se livrar disso o envolve numa gosma e este processo de defesa é um processo quase que de vida e morte. Enfim, a ostra quase morre para fabricar a pérola. Ele conclui que não interessa a beleza da pérola, o que ele quer é a ostra viva. O Fomento quer a pérola com a ostra cheia de vida.

O que eu quero dizer com isso é que a relação proposta pelo Programa é muito mais avançada e saudável que a relação hegemônica. É quase que construir uma ilha de contestação dentro da realidade dominante. Esta ilha é uma experiência histórico-social importante, pois devolve ao profissional a possibilidade de ser artista. Enfim, ele não vai mais se ver obrigado a vender sua mão-de-obra a quem quiser comprar. Ele vai ser obrigado a pensar a arte, a poética e a linguagem às quais ele estará ligado. Essa convivência cotidiana, esse trabalho que eu chamo horizontal e democrático vai exigir dele não uma divisão social do trabalho tipo: “o meu trabalho é construir meu personagem.

Então eu vou decorar minhas falas, ver minha marcação e ponto final”. Em tese, a organização prevista no Fomento cobra uma participação muito maior. Não estou falando que isso acontece de forma disseminada com todos, mas a tendência é esta. É o que hoje estão chamando de Teatro Colaboracionista, então você, todo mundo, de certa forma, não faz tudo, mas tem que pensar e discutir tudo. É óbvio que pra muita gente isso não é prazeroso. Muita gente prefere chegar lá, bater seu cartão de ponto, cumprir com sua parte e ir pra Casa assistir ao jogo do Corinthians e beber cerveja. O que nós estamos recolocando é a pessoa não se alienar em seu trabalho, não usar o trabalho apenas como um meio para poder comprar a cerveja para o jogo de futebol.

Mas o trabalho em si passa a ser fundamental e vital e, nesse sentido sim, é que ele passa a ser um artista responsável pela obra que ele cria e não uma peça de uma engrenagem de uma linha de montagem. Esta possibilidade é a possibilidade que o Fomento está colocando hoje para o profissional. É a possibilidade de ele se reestruturar enquanto artista, enquanto sujeito, enquanto aquele que efetivamente cria e não como uma peça de uma engrenagem que vende seu trabalho a quem quer comprar. Não é pouca coisa, então, o que o Fomento quer fazer. E isso não está sendo retirado do bolso ou da cartola, mas de uma coisa que existe na realidade.

Eu diria que aí está o pé na questão mercadológica ou mercantilista que o Arte Contra a Barbárie coloca traduzido em termos práticos numa lei.

Bom, por se tratar de um dinheiro público entra, também, questões éticas e questões de função social da arte. E aí vem o tal discurso que trouxe um monte de bobagem em volta da tal contrapartida social. A contrapartida social, da maneira como está redigida no Fomento, não é um monte de atividades com caráter assistencial, com caráter de ser bonzinho com a população excluída. Não se trata disso. A contrapartida social está, em primeiro lugar, na organização da produção em outros moldes para propiciar o desenvolvimento de uma linguagem e de uma poética que possa ser fundamental para a sociedade e para cultura desse tempo e desse espaço geográfico.

E, a partir daí, nesta construção está colocado, está posto como possibilidade para estes núcleos o pensar além do palco, além das relações internas do grupo, pensar a trajetória do grupo na sua inserção dentro da sociedade e, particularmente, por se tratar de um programa municipal, dentro da cidade de São Paulo. Os núcleos são chamados a se pensar na sua relação com a sociedade e a partir daí tentar estabelecer outros vínculos, outras relações que não aquela: “mando meu material para a imprensa e vou brigar para que dêem espaço”. Quer dizer, quando você entra nessa briga por espaço na mídia, me desculpe, mas você já sai perdendo, porque você não está entendendo o que é a mídia ou o que é a relação mercadológica, ou então você está tentando se inserir numa relação mercadológica sem ter cacife para isso e sem entender como ela funciona. Então, há possibilidade até de interferir nesta questão.

Estes núcleos podem construir outros vínculos que independam de intermediários ou das mídias de massa. Significa se pensar de forma diferente. Significa construir uma outra relação. Além da relação de trabalho interna, além da construção de linguagens, de poética ao longo do tempo e não apenas de uma obra específica, mas de várias obras que vão construir esta trajetória, pensar isso na relação com a sociedade. Isso é a contrapartida social. É pensar e construir. Se a gente conseguir fazer que isso tenha um papel estético, cultural, social, político e econômico importante dentro da cidade de São Paulo, nós vamos conseguir, no plano histórico, construir uma outra alternativa, ainda que minoritária, ainda que paralela ao modelo hegemônico imposto pelo mercado e pelo capital. Este é o desafio que está sendo colocado aos núcleos hoje. Se a gente vai dar conta ou não disso é a história que vai dizer. E essa é a minha maneira de ver Fomento, ética, função social, contrapartida.

A outra coisa mais imediata é que todo mundo pensa que é dinheiro público e, portanto, não é mercado. Talvez, com tudo o que eu falei até agora, parece que o Estado é uma coisa e o mercado é outra, como se fossem entidades autônomas. Não. Eu tenho claro que não. Esse Estado é uma organização do mercado, do capital, para gerir, para administrar e para dar conta da necessidade da fabricação de mercadoria, para garantir o lucro e a propriedade privada. Quando se fala que o Estado está falido, que o Estado é burocrático, que o Estado é um elefante branco que não funciona e que o que funciona é a empresa, que o que funciona é o mercado e tudo o mais, este discurso sim é que separa Estado de mercado. Na verdade, o Estado está quebrado porque o mercado está quebrado. Não é o Estado que quebrou, mas sim o mercado que quebrou, é o capital que não consegue mais se reproduzir.

É o fordismo que já foi pra cucuia. É uma nova fase de acumulação de capital que não está conseguindo mais se reproduzir porque através da concorrência e da apropriação privada do conhecimento humano e da tecnologia os preços caem, o desemprego aumenta e o mercado diminui exatamente quando se precisa vender mais já que os preços caíram. É isso a globalização. Então, os insumos básicos de manutenção da produção de mercadoria, o custeio ou, dito de outra forma, as despesas de custo e manutenção da produção do mercado não estão mais sendo pagos pelo capital. O capital não consegue mais gerar excedentes para pagar os seus custos. O que eu chamo de custo da produção de mercadoria? Transporte, dinheiro, alfândega, um conjunto de leis para normatizar essas relações de produção, troca e venda e compra de mercadoria. Um conjunto de leis que exige cada vez mais uma burocracia infernal.

Então, não é o Estado que é incompetente e que é burocrata, é o mercado que exige que assim o Estado seja, o mercado que exige novas leis, o mercado é que exige, portanto, um Poder Judiciário com tamanho astronômico, o mercado é que exige uma polícia que faça com que estas leis sejam cumpridas. Da mesma forma com relação à saúde, educação, formação de mão-de-obra e etc… Então, o que eu estou querendo dizer é que o custo de produção da mercadoria não está mais sendo pago pelo mercado e, assim, o Estado quebra. Ai você fala: “Mas você está indo a um Estado quebrado, pedir recursos e tentar construir uma política pública.

Pó, mas se o Estado está falido, como é que você vai tentar fazer com que ele subsidie e banque a produção artística e cultural?”. Eu coloco a mesma pergunta para o mercado. O mercado não dá conta disso. O mercado não consegue e historicamente não conseguiu. Portanto, não é no mercado que eu vou encontrar respostas para isso. É lógico que eu estou falando de uma visão que entende que nós chegamos ao fim de uma civilização, ao limite de um processo histórico, ao esgotamento desse processo histórico que pode se arrastar durante séculos. Espero que não.

Então, quando falo Arte Contra a Barbárie, identifico que nós já vivemos em uma barbárie, identifico que este é o fim de uma civilização. Aquilo que parece normal ou natural, como estar no mercado e vender minha mão-de-obra e tudo o mais, configura-se numa grande mentira. Isso não é normal. Isso são relações históricas que já chegaram ao seu limite. Não adianta buscar solução no mercado e não adiante eu querer solução no Estado. Tanto de um lado como do outro, eu vou estar lidando com duas faces de uma mesma moeda e desta canoa não tem saída.

Agora, eu não tenho um modelo e nem tenho a possibilidade de falar: “Ok, então vamos fazer a revolução socialista amanhã”. Muito bem, Cara Pálida. O que é revolução socialista? É a simples estatização da propriedade privada dos meios de produção? Os bolchevistas bateram nesta tecla, mexeram nas relações de propriedade, o que é fundamental, óbvio, e não mudaram as relações de trabalho e deu no que deu. É óbvio que eu estou simplificando a discussão, mas até lá a gente está optando por este caminho de acirrar contradições.

Se o discurso hegemônico diz, ideologicamente, que o Estado é “neutro”, é “público”, é “de todos” e não apenas do capital; se, por enquanto, coloca na Constituição que Cultura é necessidade e direito e não serviço, mercadoria, coisas que a Alça e a OMC querem mudar, então cobro coerência desse discurso. Vamos ver até onde partidos ditos de esquerda, dos trabalhadores, etc, ficam nesse beco sem saída, dito “responsável”, “realista”, de gerentes do capital, querendo administrar o inadministrável, ou roem a corda e assumem esta briga com a gente.

Então, o Programa Municipal De Fomento Ao Teatro Para A Cidade De São Paulo está se movimentando dentro dessas contradições, desses problemas e limites, mas tem gente que exige dele solução para todos os males imediatos da produção teatral. Por exemplo, que ele dê dinheiro para a produção do espetáculo, para a circulação de uma obra, sem perceber que está pensando apenas em melhorar e manter a forma hegemônica da produção teatral, quando ele se propõe a fazer exatamente outra coisa.

Mas eu acho, mesmo, que a gente não tem saída e que nós vamos ter que partir também para a formulação de um programa que dê conta disso. Já que o mercado não dá, nós vamos colocar o Estado nesta encruzilhada. Eu acho que nós temos que partir para a discussão da produção e circulação de obras. O Fomento não foi feito para isso e espero que tenha ficado claro. Não adianta cobrar do Programa uma coisa que ele não é e que ele não pode ser. É a mesma coisa que entrar num edital de dramaturgia querendo dinheiro para produzir um espetáculo. Espera aí, este edital foi feito para se criar um texto. É preciso entender isso.

Só para dar uma idéia de como o Fomento vem nadar contra a corrente, se não me engano o último Prêmio Estímulo de Produção, lançado pela Secretaria de Cultura do Estado, veio da seguinte forma: você tinha que apresentar o texto, projeto de cenário, projeto de figurino, o projeto de sonoplastia, o elenco, o plano de direção e tudo mais. Ou seja, você tinha que vir com aquilo que é inerente à organização empresarial e à produção fabril. Você planeja de forma centralizada e depois bota lá para a galera executar, na linha de montagem, o que foi planejado.

Todo mundo aceitou como sendo natural e não é natural. Aquilo é um discurso de manutenção ideológica da forma dominante e querendo que todo mundo se organize daquela forma, achando que aquilo era ser organizado. Achando que aquilo era ser competente. O que é ser competente de acordo com aquele edital? É você ter tudo pronto antecipadamente. Não existe um processo de criação com todas as partes envolvidas. Você tem uma divisão de trabalho, onde cada um faz uma coisa e existe um controle centralizado. Esta é a forma empresarial de se produzir um carro e esta forma é a forma que querem transportar para o teatro. Isso é um absurdo. Aí vem muita gente dizer que o Fomento é um absurdo. Não, não é absurdo. Absurdo, muitas vezes, é o óbvio, o natural, a barbárie que a gente está vivendo e muita gente acha que é natural. Não é natural, é histórica. E a gente tem que mudar a história.

O gozado é que ninguém se rebelou contra aquele edital. Para você ver como a ideologia está entranhada na gente. A gente pensa com a cabeça naquilo que já existe, naquilo que está determinado e, ao reproduzir isso, nós nos tornamos conservadores. Estamos conservando aquilo que já está estabelecido. O Fomento não veio para conservar. Ele veio para mudar ou para possibilitar que uma coisa diferente, na contramão, possa ter espaço de sobrevivência e de vida digna. Se vamos conseguir ou não, eu não sei. O engraçado é que o Programa de Fomento ao Teatro, que veio para defender a coisa contrária ao pensamento hegemônico, é questionado e, muitas vezes, aquilo que é pequeno, burro e conservador é aplaudido. É complicado, mas se é possível explicar o que o Fomento está tentando construir eu acho que é isso.

http://outrapolitica.wordpress.com/2008/06/06/a-lei-de-fomento-ao-teatro-em-sao-paulo/
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CONVOCATÓRIA

ASSEMBLÉIA PRÓ-FOMENTOS E PELO PROGRAMA VAI.

CONTRA A POLÍTICA PRIVATISTA DA SECRETARIA MUNICIPAL DE CULTURA

Dia 27 (Quarta-feira) das 14 às 16h

Na Câmara Municipal de São Paulo

Local: Palácio Anchieta - Viaduto Jacareí, 100 - Bela Vista - São Paulo – SP

Referência: Próximo ao Terminal Bandeira de ônibus.

Informações: (11) 8121-0870.

Tarefas dos Grupos:

Convocar mais pessoas e trazer no dia da Assembléia instrumentos sonoros, tambores, apitos, mega-fones e caixas de som com amplificador.

Após muitas horas de discussão foi deliberado na última Plenária, realizada no teatro coletivo a realização de uma Assembléia Pública na Câmara Municipal nesta quarta-feira.

Faremos uma espécie de preparação para uma grande mobilização em defesa das Leis de Fomento ao Teatro, Dança e pelo Programa VAI.

Todos estão convidados para esta demonstração pública de indignação contra o Decreto Municipal que descaracteriza as Leis de Fomento para a Cidade de São Paulo e faz retroceder a conquista histórica iniciada pelo Movimento Arte Contra a Barbárie.

Sempre negociamos com a Secretaria Municipal de Cultura!!!

Sempre fomos desrespeitados!!!

O fomento é uma conquista do teatro brasileiro de grupos e coletivos, que defendem um modo de produção artística. Ele não é uma disputa por verbas. Ter verba pública é a reivindicação de um conceito que estrutura um modo de instaurar o espaço das artes cênicas nos bairros, nas comunidades, no cotidiano de uma sociedade, proposto por artistas que vivem esta relação com o público: uma relação pública. Isto não é um desejo só de São Paulo. Todas as lutas organizadas pelos coletivos de Teatro e Dança, reivindicam suas Leis Específicas e o Prêmio Brasileiro ao Teatro que são uma espécie de Fomento Nacional. Se o atual Secretário de Cultura Augusto Calil vencer esta parada, que é a desarticulação da Lei para sucateá-la e eliminá-la, “legalmente” o prejuízo é muito grande, infinitamente maior do que podemos suportar.

Agora é hora de aliança e força de mobilização e luta em todo o país. Qualquer diferença poderá ser debatida em outra circunstância. Agora o foco é num só lugar: Contra a Atitude da Secretaria de Cultura da Cidade de São Paulo. Cada ponto ganho por esta aliança será um passo avançado na conquista de outros desdobramentos que são conseqüências das próprias questões que o exercício da lei de fomento nos levanta.

Todos os que são capazes de fazer um gesto contra esta agressão da Secretaria de Cultura e da Prefeitura de São Paulo

Por favor, ajudem na divulgaçãoe Mobilização.

Dia 27/10 (Quarta-feira) das 14 às 16h

Na Câmara Municipal de São Paulo

Organização:

Roda do Fomento

Movimento 27 de março

Movimento de Teatro de Rua

Cooperativa Paulista de Teatro

Mobilização Dança

Convocadança

Cooperativa Paulista de Dança

Cooperativa Cultural Brasileira

http://rodadofomento.blogspot.com/

http://movimento27demarco.blogspot.com/

http://mtrsaopaulo.blogspot.com/

http://www.cooperativadeteatro.com.br/

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