sexta-feira, 5 de novembro de 2010

duas matérias: Noturnos, de Jon Fosse, nos Parlapatões (São Paulo, SP)

Maria Manoella e Jiddu Pinheiro, em "Noturnos"

Bortolotto e sua versão do silêncio musical de Jon Fosse


"Noturnos", mais um texto do incensado dramaturgo a merecer montagem por aqui, no Espaço Parlapatões

Maria Eugênia de Menezes - O Estado de S. Paulo

Um homem e uma mulher discutem o casamento em crise. Ele é um escritor deprimido, que mal consegue sair do sofá. Ela se arrasta pelo apartamento minúsculo, recolhendo roupinhas de bebê espalhadas pelo chão e praguejando contra a vida enfadonha que não é a que queria ter. Este é o argumento de Noturnos, mais um texto de Jon Fosse a merecer montagem por aqui. Sinopses, no entanto, dizem pouco, muito pouco da cruel experiência a que nos submete esse autor norueguês.

A peça, que entra em cartaz neste sábado, 7, no Espaço Parlapatões, não foge muito da dicção particular que ajudou a notabilizar Fosse como um dos dramaturgos mais encenados e incensados do teatro contemporâneo. Assim como acontece em outras de suas obras, a essência de Noturnos não pode ser encontrada em no que é dito. Está, sobretudo, nas quebras, nas pausas, nos movimentos que aproximam sua escrita de uma estrutura muito mais musical do que dramática.

Falso realismo. Na hora de levar à cena essa história de Fosse, o diretor Mário Bortolotto não teve medo de optar por uma camada aparentemente realista. Conduz a ação em um cenário que reproduz um pequeno apartamento em desordem. Reveste os diálogos da mulher (Maria Manoella) de exasperação. Dá ao marido (Jiddu Pinheiro) a máscara de apatia que os dramas convencionais iriam requerer. "É uma peça que engana um pouco o espectador", diz a atriz Maria Manoella, que idealizou o projeto e assina a produção. "Noturnos cria uma armadilha para ao final subvertê-la. Você acha que está diante de mais uma historinha de discussão de relação, quase uma novela, mas o que está em jogo é algo de terrível."

É nesse embate entre uma aparência naturalista e um teatro desconectado da realidade que Fosse encontra sua poética. O espectador que viu Um Dia, no Verão, dirigido por Monique Gardenberg, ou Sonho de Outono, em versão de Emílio de Mello, deve se lembrar do estranhamento provocado pelo autor.

As palavras são todas muito simples, banais, e costumam ser repetidas à exaustão. Seus personagens fogem a qualquer psicologismo. E a crise no casamento é apenas um subterfúgio para instaurar um mal-estar no palco.

"Ele coloca na superfície o pior do ser humano", lembra o ator Jiddu Pinheiro. Apesar da aura de atemporalidade, Maria Manoella consegue encontrar na trama um reflexo da própria época. "Quantos amigos que a gente conhece não levam uma vida muito distante daquela que gostariam? Fiz essa peça porque acredito que ela é um pouco o retrato da minha geração, uma geração sem perspectivas."

Noturnos - Espaço Parlapatões. Praça Roosevelt, 158, Centro, 3258-4449. Sáb., às 21h; dom., às 20h. R$ 30. Até 5/12.

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Mário Bortolotto dirige montagem "musical" de relação em crise


NOTURNOS

GABRIELA MELLÃO / COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

O norueguês Jon Fosse tem alma de músico.

Transferiu sua paixão musical para a dramaturgia, passou a escrever textos como quem compõe canções e se tornou um dos mais cultuados autores teatrais da contemporaneidade.

Amanhã, entra em cartaz uma obra inédita dele no país: "Noturnos", com direção de Mário Bortolotto.

O espetáculo retrata o relacionamento sombrio de um jovem casal com um bebê. Contada através de quatro saltos cronológicos, a trama se desenrola em um único dia no apartamento do trio.

Móveis chamuscados, flores secas e um porta-retrato desabitado convivem em harmonia com o casal esvaziado de amor e esperança.

Bortolotto busca ser fiel ao autor e segue suas detalhadas rubricas. Leva à cena personagens raros de ver nos palcos. "São chatos e desinteressantes. Fosse não tenta glamorizar. Na sua dramaturgia, não há heróis nem anti-heróis", afirma o diretor.

Os protagonistas não são merecedores nem mesmo de nomes. São intitulados de forma despersonificada como Moça e Moço. Tom, o amante, é único personagem da trama honrado com uma denominação diferenciada.

"Tom aparece como elemento catártico, para revelar o verdadeiro caráter da protagonista", diz o ator que o interpreta, Marcelo Spektor. "A Moça é terrível, uma Lady Macbeth", fala Maria Manoella, que, além de viver a personagem, é produtora e idealizadora da montagem.

BIS

Fosse inspira-se em Samuel Beckett (1906-1989) para trabalhar a fala cotidiana de forma inusual. Faz uma reflexão sobre as dificuldades dos relacionamentos afetivos contemporâneos criando uma falsa sensação de realidade em cena.

Sua obra, definida por ele mesmo como uma composição musical, apresenta versos e estrofes. Como no bis de uma canção, frases são repetidas continuamente, em diferentes intensidades.

Acompanham a trajetória do pensamento dos personagens e relevam a condição cíclica do relacionamento que os aprisiona, desvelando o que de fato se passa em cena.

"O texto tem um naturalismo estranho. É quase uma novela, mas você tem de entender que a parada não está no que é dito, mas no subterrâneo", explica Bortolotto.

"NOTURNOS"

QUANDO sábados, às 21h, e domingos, às 20h

ONDE espaço Parlapatões (pça. Franklin Rosevelt, 158, tel. 0/xx/11/3258-4449)

QUANTO de R$ 15 a R$ 30

CLASSIFICAÇÃO 16 anos

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