segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Café com Santiago Serrano na Praça do Congresso (Buenos Aires, ARG)


Há uma lanchonete do McDonald's bem diante do Obelisco, na Av. 9 de Julio, em Buenos Aires. Às 4 da tarde, lá estava o dramaturgo Santiago Serrano, autor de "A Revolta", "Dinossauros" e muitos outros textos teatrais, com um livrinho de presente. Uma peça que deu a ele um prêmio, na Espanha: "Sexualmente Hablando", fazendo par a outro texto, de outro autor. Caminhamos a partir dali, atravessando primeiramente a avenida para o outro lado da Corrientes. Para o outro lado da Broadway portenha.

De um lado da avenida, em direção a Puerto Madero, é Cecilia Roth que estrela uma comédia das irmãs Delia e Nora Ephron, no Tabaris. Ingresso de 100 a 120 pesos, algo em torno de 50 a 60 reais. No outro lado da avenida, é Norma Aleandro que estrela um grande elenco na produção de "Agosto". Teatrão comercial com atrizes do Cinema Argentino. Muito agito nas filas. Ingressos esgotados rapidinho.

Continuamos pelas librerías e a tarde deste último domingo, 19, estava excelente, um sol morno, as pessoas agasalhadas. Temperatura amena em Buenos Aires. Caminhamos até à Praça do Congresso, em meio a prédios art nouveau, alguns esplendorosos. Sentamos numa mesa para o café e conversas. Ele me explicava de como os argentinos ouvem os sinos de um dia de comemoração ao mesmo tempo em que enfrentam uma crise econômica. Cultural, até, ele afirma. O copinho de água é derramado, por acidente, em minha calça, e o garçon é simpático ao "cambiar" notas de peso para outras menores.

O povo portenho cultua suas raízes, uma decadência aliada a muito charme, muito curioso de se ver. É como se fosse uma dor de uma existência ao ritmo de Gardel, às ovações a Evita e ao acordeón de Piazzolla. Mas é muito mais do que isso. Voltando aos palcos, pude ver a montagem de "La Vida Es Sueño", de Calderón de La Barca, no imenso Teatro San Martin, em sua sala principal. Platéia gigantesca, totalmente lotada. Brasileiros atrás de mim, e no meio deles, o diretor teatral Eduardo Tolentino de Araujo, do Tapa. A sessão começou às 20h, no domingo, e durou duas horas.

Mas foi no sábado, dia 18, que pude sentir mais de perto - aliás, bem de perto - o teatro argentino. "Bodas de Sangre", na versão de Juan Carlos Gené (o diretor geral do Teatro Celcit, na calle Moreno). Sessão começou às 21h. Sala cheia, a plateia atenta ao texto de Lorca brilhantemente adaptado para quatro atores. E que quatro atores! Verónica Oddó, Camilo Parodi e a bela Violeta Zorrilla (sua esposa, na vida real).

Verónica Oddó e Camilo Parodi (à esq.) e Violeta Zorrilla (dir.)

Encantador é uma palavra mínima para dizer sobre o espetáculo. Gené é, ao mesmo tempo, narrador e personagem da peça, entre os muitos que o poeta espanhol escreveu nesse drama de adagas, sangue, amor e uma encenação que dói de tanta beleza. Sim, o texto é maravilhoso, claro. E o elenco em cena dá aos personagens ("sin nombre", como muito bem coloca Gené) o tom trágico, ao som da percussão e do violão, tocados ao vivo por Parodi. A presença dos quatro é pura força, é pura beleza, e os momentos solo de Violeta, entre a noiva e a mulher de Leonardo (Parodi), passeiam da candura ao fantasmagórico. Linda.

Parodi e Violeta dançam sua coreografia marcada, pontuada, precisa. Verónica Oddó tem a postura da mãe que vê seu filho partir para sua própria vida. A cenografia, de Carlos Di Pasquo, num tablado de linóleo quadrado, tece delicadamente a posição de quatro cadeiras, uma mesa, meia cortina. O desenho da luz é do próprio Juan Carlos Gené. No palco, diante da plateia, personagens que se vão e voltam, que se buscam e se perdem. Uma das obras máximas de Federico Garcia Lorca ganhou uma versão imperdível, belíssima.

Ir a Buenos Aires vale por sua cena, ou "escena", como eles dizem. E o belo Teatro Celcit, com suas paredes brancas, cujas escadas levam a salas de ensaio, paredes repletas de fotos de outros trabalhos (inclusive o recente "Minetti", com o próprio Gené), mostra que dar um pulo na capital argentina tem, sim, muitos momentos memoráveis. Este é outro deles. E está bem ali, na calle Moreno, a dois quarteirões da Casa Rosada e a meio quarteirão da belíssima Manzana de Las Luces. Confira também o site http://www.celcit.org.ar/ com os cursos, a programação e todos os trabalhos do Celcit (de Carlos Ianni, Teresita Gallimany e outros artistas dedicados) que lutam há 35 anos pelo teatro latinoamericano.

Despeço-me de Santiago numa das pontas da praça que dá para o Teatro Colón. Ele segue, e a lembrança do bom papo numa mesinha de café na Praça do Congresso vem logo à mente. Estes artistas têm muito a ensinar a nós, brasileiros. Que haja mais mirada, que haja mais integração. Que as costas não se voltem.

Ruy Jobim Neto

Um comentário: