Diretora "edita" peça ao vivo no espetáculo "Corte Seco"
LUCAS NEVES
da Folha de S.Paulo
Onze atores se revezam em cenas inspiradas em relatos pessoais, notícias de jornais e processos judiciais. A todo instante, a diretora intervém, mudando a ordem dos fragmentos, propondo acréscimos ou subtrações em cada um deles. Vez ou outra, eles improvisam falas e marcações.
Não é um flagrante de sala de ensaio, mas a descrição de uma "peça em processo" já em cartaz: "Corte Seco", da carioca Christiane Jatahy, que chega agora ao teatro Anchieta. Na lateral do palco, sentada à mesa de som e luz, ela lança ao elenco o desafio de abreviar/alongar situações e de achar o prumo de histórias tiradas de seu encadeamento linear.
"Há um estado de vulnerabilidade que é muito vivo. Pode até desestabilizar o ator, mas quando isso [uma possível hesitação] é contextualizado na proposta do espetáculo, não caracteriza erro. É risco assumido", diz Jatahy.
Ela rechaça a imagem de "entidade superior", que brinca de desnortear suas criaturas. "Não estou jogando por cima deles [os atores], mas com eles. A bola corre da mesma forma para os dois lados. Quero que a peça dê certo!", afirma, rindo. "Eu também não sei o que vou fazer quando começa. Não é um "querer" meu. É uma reação à cena, por exemplo, para criar a certa hora uma suspensão dramatúrgica."
A diretora não está sozinha nas interferências ao andamento da peça. Câmeras instaladas na coxia e nos arredores do prédio que abriga o teatro "trazem a sociedade para dentro", explica Jatahy, "e mostram como é limitado o alcance do nosso olhar para fora". Às imagens captadas (e projetadas no palco), o elenco reage com um misto de falas ensaiadas e ações criadas no calor da hora.
O acúmulo de "inserções" pode apontar para uma dramaturgia esgarçada, à mercê dos achados (ou tropeços) de cada apresentação. Nesse sentido, a diretora tranquiliza: "O texto tem uma estrutura permanente, uma coluna que interliga, alinhava os mosaicos. Em paralelo, correm saídas, "veias" para várias possibilidades de corte."
Inspirada no olhar de Walter Benjamin sobre as relações interpessoais na metrópole moderna (no livro "Passagens") e nos enredos entrecruzados do filme "Short Cuts - Cenas da Vida", de Robert Altman, a peça fecha uma trilogia da Cia. Vértice, de Jatahy, sobre solidão e padrões de comportamento na família e na sociedade.
CORTE SECO
Quando: estreia amanhã (para convidados);
sex. e sáb., às 21h, e dom., às 19h;
até 14/3
Onde: Teatro Anchieta, no Sesc Consolação
(r. Dr. Vila Nova, 245, tel. 3234-3000)
Quanto: R$ 20
Classificação: 14 anos
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