quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Marco Nanini em "Pterodátilos", no Teatro das Artes (Rio de Janeiro, RJ)

Marco Nanini em "Pterodátilos"

Nanini festeja 45 anos de carreira em 'Pterodátilos'


Peça de Nicky Silver, que retrata a desintegração familiar, estreia no Rio e chega em março a SP

Uma vistosa peruca loura, braceletes e anéis brilhantes, tailleur que torna a silhueta mais bela - seria o perfil encantador de uma mulher, mas não se engane: o sorriso escancarado do ser que carrega todos esses atributos é o de um esqueleto. A combinação forma o cartaz da peça Pterodátilos, que estreia hoje no Teatro das Artes, no Rio. Promoção e provocação, eis uma mistura bem dosada para o espetáculo que comemora os 45 anos de profissão do ator Marco Nanini. E, como se trata de um artista inquieto, a festa não é comportada - Pterodátilos é uma rara comédia, em que o humor dilacera e o nonsense amargura. "Toca nas feridas, mas provoca gargalhadas", resume Felipe Hirsch, diretor da montagem.

Basta espiar a história em que Nanini interpreta dois personagens: Artur é presidente de um banco e chefe de uma família disfuncional, formada por Grace (Mariana Lima), a mãe alcoólatra, mulher opaca e apenas preocupada em consumir; Todd (Álamo Facó), o filho mais velho que volta à casa paterna depois de ter contraído o vírus da aids; e Ema (Nanini), a filha desnorteada, que se julga grávida e cujo namorado, Tom (Felipe Abib), além de transformado em empregada da casa, logo se apaixona por Todd. "A casa está desmoronando e isso fica mais evidente nesta montagem", comenta Nanini (veja abaixo).

Ele se refere à primeira encenação da peça, em 2002, intitulada Os Solitários. Na época, Felipe Hirsch uniu dois textos do norte-americano Nicky Silver que tratavam da decadência familiar. "Mas Pterodátilos sempre ficou na cabeça da gente porque tem humor, diálogos incríveis e precisos, e dramaticidade sem pieguice", conta o ator, decidido a retomar o trabalho com o diretor justamente com esse texto.

O passar dos anos, na verdade, fortaleceu a peça. "A primeira montagem tinha um tom épico, que não ressaltava tanto um aspecto que hoje domina cidades como o Rio e São Paulo: o consumismo", avalia Hirsch. "No Brasil, o mercado de luxo cresce 20% ao ano, enquanto no restante do mundo a marca é de 4%. Por isso que vejo nesse espetáculo o reflexo do País."

Um reflexo turvado pela comicidade - os personagens de Silver são hilariantes em sua tragédia. Grace, por exemplo, pede opinião do filho sobre qual vestido deve usar no enterro dele. E Ema é expulsa do encontro das filhas estupradas pelo pai por ter mentido. "O humor é tão absurdo que provoca compaixão da plateia", comenta Hirsch.

E o efeito é conquistado graças às atuações. Nanini se desdobra com o habitual talento no pai desnorteado com o declínio familiar ("Artur vê as coisas desmoronando, mas não tem ação") e na filha frustrada pela falta de atenção geral. A personagem, aliás, provocou aflição no ator. "Quando a interpretei em 2002, acreditava estar encenando uma menina de 15 anos, mas, quando vi algumas imagens na internet daquela montagem, fiquei horrorizado: era um homem de idade fazendo uma garota. Assim, decidi não mais rever cena alguma das minhas montagens."

Já Mariana Lima, que vive uma atarantada Grace, lamentou o pouco tempo que teve para criar. "Normalmente, tenho mais que dois meses de preparação", disse ela, que primeiro elaborou a loucura interna da personagem para depois montar o perfil exterior. "Assisti a seriados como Absolutely Fabulous para me inspirar. Era necessária uma precisão absoluta, pois é uma peça curta, de ritmo vertiginoso, na qual tudo é dito sem véu da culpa, sem meias palavras."

Apesar de o espetáculo - que chega em São Paulo em março, no Teatro Shopping Frei Caneca - marcar os 45 anos de carreira de Nanini, o ator sentiu-se premiado de fato com a inauguração do Instituto Galpão Gamboa, sala de espetáculos fora do circuito convencional e comercial do Rio, que ele e seu sócio na produtora Pequena Central, Fernando Libonati, montaram apenas com recursos próprios. "Encenamos Pterodátilos lá e foi um sucesso", vibra Nanini. "Além de receber outras produções independentes, o espaço vai oferecer cursos para a comunidade daquela zona portuária, ainda muito carente de cultura."

Pterodátilos - Teatro das Artes. R. Marquês de São Vicente, 52, Shop. da Gávea, Rio, (21) 2540-6004. 6ª e sáb., 21h; dom., 20h. R$ 60/R$ 90. Até 31/10.

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