sexta-feira, 16 de abril de 2010

Peça de Neil LaBute no Parlapatões (São Paulo, SP)


'A Forma das Coisas', mais uma peça de Neil LaBute


Cineasta e dramagurgo, americano é autor de obra construída de forma milimétrica, a fim de surpreender

UBIRATAN BRASIL - O Estado de S. Paulo

Feministas de carteirinha certamente devem mirar uma foto do cineasta e dramaturgo americano Neil LaBute como alvo em seu jogo de dardos. Afinal, autor de frases pontiagudas ("Nunca confie em alguém que pode sangrar durante uma semana e não morrer" é uma das várias que constam no filme Na Companhia dos Homens), ele é provocador por natureza em seus trabalhos, questionando o peso de valores masculinos e femininos no relacionamento humano. E foi tal ingrediente que despertou o interesse de encenadores brasileiros, a ponto de quatro peças suas ganharem os palcos nacionais desde o fim do ano passado, dos quais uma, A Forma das Coisas, estreia nesta quinta, 15, em São Paulo - outra, A Gorda, continua em cartaz.

O segredo, para alguns, está na carpintaria do texto. "A prosa de LaBute é meticulosamente construída", atestou Monique Gardenberg, que dirigiu Baque em 2005, primeira montagem brasileira de um trabalho do dramaturgo. "Cada detalhe é cuidadosamente revelado no momento certo, como em uma equação matemática, e, quando o castelo está todo construído, LaBute o destrói sem piedade."

É o que se observou em Restos, monólogo com final surpreendente montado em 2009 por Antônio Fagundes, e Aquelas Mulheres, texto seco e nada poético que estreou no Rio em janeiro. Também é o caso de A Gorda, uma espécie de pedagogia da transgressão a partir da paixão de um homem por uma mulher excessivamente pesada. E, finalmente, A Forma das Coisas, em que LaBute discute a relação entre o jogo de poder e a arte contemporânea. Sobre sua obra, ele conversou, por e-mail, com o Estado.

Você mantém uma curiosa relação com os críticos: alguns o chamam de chauvinista, provocador e até racista. Já Camille Paglia foi enfática ao tachá-lo de moralista. Quem é você, afinal?

Provavelmente sou todas essas coisas e algo mais - críticos são, por natureza, sensacionalistas, sempre atrás de algum barulho, de uma manchete chamativa, enquanto os artistas são aqueles que ganham ou sofrem em suas mãos, sendo rotulados. Não penso muito nisso. Procuro não dar aos críticos a força capaz de alterar meu ânimo com suas considerações.

A dificuldade nas relações humanas parece ser o estofo de seu trabalho.

Sou interessado em pessoas, como se comportam, vivem (sozinhas ou com outros), as chances que aproveitam na vida. A política dos sexos é muito mais interessante para mim que a política da nação. Minhas peças tendem a dissecar o pessoal, mesmo quando elas atravessam a vida pública dos personagens. Eu me interesso em ouvir o proibido, dizer o que é vetado, conduzir o público em uma jornada para a qual não está preparado. Esse é meu trabalho como escritor.

Suas peças, então, estão destinadas a afetar a plateia?

Sim, da forma mais visceral possível. Busco um público que saiba rir, que compreenda o que lhe é apresentado, que chegue a arfar, enfim, com a minha audácia e a dos personagens. Uso estratégias cênicas pouco convencionais (música alta, iniciar a peça sem avisar, separar a plateia em grupos pequenos) de que forma que a experiência seja única. Não estou aqui apenas para contar uma história - quero que a narrativa seja viva e te agarre pelo pescoço.

Sua escrita é meticulosa, interessada em ‘destruir castelos’. Como funciona essa técnica?

Escrevo quando quero, mas frequentemente tento ser mais destemido e aventureiro que na vida real. Quando finalmente encontro uma história na qual acredito, tento contá-la da forma mais honesta possível, não me preocupando com o que o público vai pensar - ele apenas é um convidado nessa viagem. É minha responsabilidade básica. E o fato de ‘destruir castelos’, como você disse, ou de jogar com as emoções da plateia, é simplesmente uma opção - uma esperança de que a história termine da melhor forma possível, independentemente dos desejos dos espectadores.

Sua inspiração está na forma como as pessoas falam?

Algo parecido: seria uma combinação maluca entre poesia, prosa, gírias, e também "humms" e "ahhhs" e "entende?" que, uma vez misturados, soam parecidos com a fala das pessoas. Não é um truque, apenas o trabalho de criar hibridismo da forma "LaBute" de falar.

Você já foi comparado a Strindberg, Ibsen, Edward Albee, David Mamet. Quem realmente te influenciou?

Esses e dezenas de outros: Wallace Shawn, Eric Rohmer, Caryl Churchill e muitos mais. Mesmo os que escreveram apenas um trabalho (De Laclos e Lermontov). Sou o produto de todos, de Eurípides aos meus contemporâneos. E também de mim mesmo! Eu me despedaço muito, o que é inevitável pois nós, escritores, somos basicamente uns canibais.

Totens de madeira recriam dez cenários

Bastou apenas uma leitura do texto de A Forma das Coisas para Guilherme Leme logo se engajar no projeto - além de ator e diretor, ele se dedicou às artes plásticas durante dez anos, assunto que é o ponto de partida da peça escrita por Neil LaBute em 2001. "A forma como ele discute o rumo da arte contemporânea me encantou profundamente", conta Leme, que assina a direção da montagem que estreia hoje no Espaço dos Parlapatões.

Bastou a primeira cena para cativá-lo: prestes a concluir seu mestrado sobre Artes, Evelyn (Carol Portes) decide pichar a imensa escultura de um homem nu, cujo pênis foi estrategicamente coberto por uma folha de parreira para não ofender a moral pública de uma interiorana cidade dos Estados Unidos. Adam (Pedro Osorio), o tímido e introspectivo segurança do museu, tenta impedir, mas acaba dissuadido por ela. Mais: encantado com a garota, ele começa a namorá-la e, pouco a pouco, inicia a transformação de seu jeito de ser, física e moralmente, moldando-se aos desejos de Evelyn.

A mudança não é apenas comportamental - de gordinho e nerd, Adam adquire o perfil de um rapaz descolado, provocando estranhamento em Diana (Karla Dalvi) e Johnny (André Cursino), amigos que foram deixados para trás em nome de sua paixão pela moça. "O que o público não percebe de imediato são as intenções de Evelyn", conta Leme, obviamente guardando o segredo para quem for ao teatro. "As frases finais dela provocam uma certa perplexidade."

Da dramaturgia de LaBute, Leme conhecia apenas o texto dirigido por Monique Gardenberg, Baque. E ali identificou um paralelismo entre uma tragédia grega e fatos contemporâneos. "LaBute gosta não apenas de misturar épocas como também de utilizar recursos do cinema e do teatro. Afinal, se seus filmes privilegiam, muitas vezes, os diálogos (a câmera praticamente não se movimenta), as peças têm uma sucessão de cenas que lembra a troca de cenários de um longa."

É o que acontece, aliás, em A Forma das Coisas - depois de começar em um museu, a trama avança por outros nove lugares diferentes (sala de apartamento, vestiário de escola, cafeteria, parque, auditório da faculdade, etc.). A solução foi utilizar um cenário mínimo, com apenas cinco totens brancos de madeira.

"Dependendo da posição, eles tanto simbolizam o banco de um vestiário como as palmeiras de um parque", conta Leme. "A arte, como diz a peça, é transformadora."

A Forma das Coisas - Espaço Parlapatões (96 lugares). Praça Roosevelt, 158, centro, tel. 3258-4449. 5ª, 21 h; 6ª, 21h30. R$ 30. Até 21/5

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