segunda-feira, 26 de abril de 2010
Crítica da peça "CLOACA", por Ricardo Agueiros (São Paulo, SP)
CLOACA - Tragédias e Alegrias na Vida dos Homens
Ricardo Rocha Aguieiras
aguieiras2002@yahoo.com.br
http://dividindoatubaina.wordpress.com/
O mundo masculino é ainda um grande mistério. Para um homossexual como eu, então, que vivenciou a trágica experiência da exclusão, esse viril mundo é ainda mais escuro e sem portas. A peça CLOACA, da holandesa Maria Goos, teve reestréia no Teatro Imprensa no dia l6 último e foi para mim uma grata surpresa que acendeu algumas luzes e abriu algumas portas. Por onde, um pouco mais iluminados, mas ainda feridos, a gente vai passando.
Quero ampliar minha percepção sobre o espetáculo, tentando enxergá-lo mais dentro do prisma da amizade de um homossexual perante seus amigos heterossexuais, mesmo que isso pareça primário, torna-se fundamental para percebermos como há e como se desenvolve a igualdade entre amigos tão diferentes, todos problemáticos. Confesso que não tinha lido nada sobre a peça, o que realça o meu espanto com tanta qualidade. Chamei o jornalista Gustavo Miranda, do importante blog Bota Dentro (http://www.botadentro.com.br/), que veio com seu namorado Tiago, que estuda Teatro e lá fomos nós.
Quatro velhos amigos, quarentões e ainda bonitos, mais de vinte anos de conhecimento, se encontram pra pensar em possíveis soluções para uma questão séria de um deles, Pieter, o homossexual vivido por Tony Giusti, que está sendo pressionado para devolver presentes e quadros ganhos meio que na malandragem, em seu trabalho de 25 anos na Prefeitura de Amsterdã. Ele não quer devolver os quadros de um pintor que, no correr dos anos, ganhou muito valor e nem pode por que não tem mais a metade deles, vendeu para manter um bom e caro estilo de vida.
Cada amigo que chega carrega consigo também seus problemas e procuram um no outro soluções que não existem, temperados pelas desilusões e esperanças frágeis, que beiram o abismo de cada. Pieter precisa de um advogado, poderá perder tudo e o amigo Jan – André Garolli, cheio de nuances na composição do marido imaturo e bonachão – chega por que foi expulso de casa pela ex-mulher e precisa urgente de um lugar para ficar. Jan sugere Tom- interpretado com surpreendente força por Dalton Vigh- é advogado e vem com a promessa de defender judicialmente o amigo. Viciado em drogas e recém saído de uma clinica, não parece preocupado com suas (muitas) esquisitices ou paranóias, elas não interferem na proposta generosa de amizade e numa tentativa de todos de, ao menos, tentarem lidar com as diferenças. Aí chega o Maarten (Brian Penido Ross, igualmente muito competente), diretor de teatro que está tendo caso com a filha de um deles. Enfim, estão todos cheios de questões para se procurarem, mas aí entra a grande questão.
Falando assim, parece uma grande tragédia. E é! Mas só que você ri sem parar, ora com um humor negro, ora com um humor corrosivo encontrado por eles para tentarem atingir um ao outro. Me surpreende na peça é justamente essa contradição, onde o riso pode revelar muita dor por trás. E os atores, todos magníficos, não deixam a peteca cair em nenhum momento, a entrega é tanta e a confiança um no outro que, caso a peteca caia o espetáculo desmorona inteirinho. É onde entra e forte e certeira direção de Eduardo Tolentino Araújo, que sempre priorizou a direção de atores, vide seus belos trabalhos anteriores, no Grupo Tapa.
O que pega mesmo, pega de machucar é mesmo a Amizade. Num mundo tão virtual onde ninguém mais liga para ninguém, onde somos meras imagens dentro de uma sociedade imagética, controlada, onde as pessoas vivem para as suas empresas, sem pensar que “empresa” é essa, onde a empatia pelo próximo ficou perdida bem lá trás; empresariamos nosso trabalho profissional, mas não o amor nem a amizade em nossas vidas, não mais. Construímos a armadilha e ajudamos na manutenção dela, essa é a nossa “empresa”? A mesma armadilha que irá nos corroer lá adiante, a curto, médio ou longo prazo.
Por isso essa peça mexeu tanto comigo e surpreende: ela fala dessas coisas que esquecemos hoje, chamamos de “amigos” quem nunca vimos na vida, no Orkut, no Facebook e no MSN. E o que está do nosso lado, verdadeiramente possível amigo, é deixado de lado e esquecido. Na peça, há um resgate de tudo isso, são homens egoístas, brincalhões, solidários, bêbados, impotentes, drogados, autoconfiança totalmente abalada e reduzida a pó, amorosos, buscando uma, às vezes impossível honestidade; contraditórios e falsos, mas estão lá olhando no olho do outro, tentando e se abraçando. Estão lá. Não atrás de um monitor, mas lá, na frente um do outro mesmo que tentando se esconderem. Nesse mundo tão “risonho”, tão gargalhativo com o excesso de peças teatrais stand-ups tão na moda, que só provocam o riso fácil e tudo é esquecido 5 minutos depois que a peça acaba, que falta nos faz um teatro que fala mais, que cutuca e até deixa a gente meio que no êxtase.
Não acredito nesse papo de “olhar feminino sobre o mundo masculino”, já que a peça foi escrita por uma mulher; que li em algumas críticas na mídia sobre CLOACA. O tal “universo masculino” tá bem abalado hoje, com muitos vulcões em erupção. Agora, quero acreditar que essa questão de “masculino” e “feminino” são meras construções sociais, as coisas se misturam, um autor homem poderia muito bem ter escrito essa peça, se também carregar em si o talento e a sensibilidade de Maria Goss. Ah, os atores são lindos! Se bem que o Tony Giusti é meu preferido e ainda a gente é presenteado por que ele aparece de cuecas, todo magrinho e definido… risos… não falei que colocaria um olhar gay neste meu texto? Quem sabe um dia não posso colocar uma foto do Tony, peladão, aqui, como um presente?
RICARDO AGUIEIRAS
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