quinta-feira, 8 de abril de 2010

José Celso Martinez Correa e a Caravana da Anistia, São Paulo (SP)

Anistia para Zé Celso



Beth Néspoli - O Estado de S.Paulo

Renascimento. Preso, torturado e exilado, o diretor Zé Celso precisou de 15 anos para retomar em plenitude a sua criação.

No dia 22 de maio de 1974 o encenador, ator e dramaturgo José Celso Martinez Corrêa foi abordado por homens armados que o encapuzaram, colocaram-no dentro de um carro e o levaram. Era mais uma prisão realizada durante o regime militar que tivera início com um golpe dez anos antes. Zé Celso foi levado para o Departamento de Ordem Política e Social, na região da Luz, onde passaria quase um mês. No Dops foi torturado. Passou pelo pau de arara e levou choques e golpes que lhe arrancaram alguns dentes. Depois foi jogado em uma solitária.

Mais de três décadas depois, Zé Celso receberá autoridades do governo brasileiro ao som do Hino Nacional executado em ritmo de bossa nova em seu Teatro Oficina numa solenidade de celebração da democracia. Vestido num terno, ele será hoje, a partir das 14 h, o anfitrião da 35.ª Caravana da Anistia. Criada em 2001, a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça tem como função analisar os requerimentos de pessoas que foram vítimas de perseguição política entre 1946 e 1988 (lei 10.559/2002). Desde abril de 2008, foi criada a Caravana da Anistia que aprecia processos em atos públicos, numa ação cultural de resgate de memória.

A caravana já percorreu 17 Estados e apreciou publicamente mais de 800 processos. O educador Paulo Freire e o líder dos seringueiros Chico Mendes estão entre os já homenageados. Em ato inédito desde sua criação, a 35.ª Caravana da Anistia, que contará com a presença do ministro da Cultura Juca Ferreira, fará a apreciação apenas do processo do diretor Zé Celso, no Oficina, no seu 35.º ato público. Será também teatral e terá início às 14 h, no Oficina, seguido de apresentação gratuita do espetáculo O Banquete. Dezenas de artistas foram convidados.

Zé Celso enviou requerimento de pedido de "indenização por prejuízos causados pela ditadura militar" no dia 8 de dezembro de 2004 à Comissão da Anistia, documento ao qual o Estado teve acesso (leia trecho ao lado), e será lido na íntegra pelo relator Prudente Mello hoje no palco do Oficina, mais especificamente no cenário de O Banquete, uma imensa mesa retangular que toma toda a pista do teatro. Nesse documento, Zé Celso relata sua prisão e a de companheiros de teatro, a tortura, os obstáculos à continuidade do Oficina impostos no período por meio de censura aos textos ou interdições às encenações, o exílio de cinco anos, o incêndio destruidor no teatro. ´

Relata com detalhes a difícil passagem dos tempos de resistência obscura, período em que ganhou a alcunha de decano do ócio, aos novos tempos de "re-Existência", a partir dos anos 90, quando efetivamente conseguiu retomar sua arte em plenitude, na criação de espetáculos como Bacantes, Cacilda! e Os Sertões.

"A tortura tatua o corpo. Quem passou pela tortura vai combatê-la sempre", diz Zé Celso em vídeo que pode ser visto na TV Estadão, no qual fala sobre Direitos Humanos, tortura, liberdade, arte e política.

PALAVRAS DO ZÉ NO SEU APELO A AUTORIDADES

"Por muitos anos tentei recalcar para poder sobreviver e viver de novo os danos causados pela ditadura no meu corpo, na minha alma, no meu trabalho profissional e no de minha criação o que vale também para o corpo físico do Teatro Oficina. Posso afirmar que a ditadura operou sobre mim e o Oficina o que Glauber Rocha chamava de assassinato cultural. Eu e o teatro fomos assassinados socialmente. Muitos achavam mesmo que eu tinha morrido, me apontavam como vítima que a ditadura tinha eliminado, consideravam que eu e o teatro não teríamos mais uma segunda vida.

Foram 15 anos de uma luta enorme para provar a mim mesmo que eu estava vivo de novo. Não falava quase em tortura ou em repressão, somente através de atos teatrais. Reaberto o teatro, foram mais de dez anos de muito sucesso para provar que nós tínhamos ressuscitado."

SERVIÇO:

Solenidade da 35ª Caravana da Anistia seguida de O Banquete. Rua Jaceguai, 520, tel. 3106-2818. Grátis, 14 horas - retirar senha no teatro a partir das 11

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